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Pejotização: vilã tributária ou solução inevitável?
A preocupação crescente dos órgãos fiscais com a chamada pejotização tem ganhado espaço na mídia, com relatos dramáticos de perdas de arrecadação na ordem de R$ 89 bilhões desde 2017. Argumenta-se que trabalhadores contratados como pessoas jurídicas (PJ) geram uma arrecadação tributária até 95% menor em comparação aos trabalhadores formais (CLT). Contudo, essa visão simplificada ignora a realidade dura e incontestável: a alternativa à contratação PJ, frequentemente, não é a formalização via CLT, mas sim o desemprego ou a informalidade total, situações em que a arrecadação tributária é inexistente. Com quase metade da força de trabalho brasileira operando informalmente, combater a pejotização sem oferecer alternativas viáveis equivale a atacar um sintoma ignorando completamente a causa da doença.
O erro fundamental dos críticos da pejotização é supor que sua proibição automaticamente resultaria em mais contratações formais. Na prática, muitas vagas simplesmente seriam eliminadas ou migrariam para uma informalidade ainda maior. A realidade econômica brasileira, marcada por altos custos trabalhistas e fiscais, já demonstrou que quanto mais onerosa é a formalização, menos empregos formais serão gerados. A carga tributária atual, superior a 33% do PIB, é comparável à de países desenvolvidos, porém sem entregar serviços públicos proporcionais ao tamanho desse esforço fiscal, reforçando a ideia de que a simples elevação tributária pode ter um efeito perverso na arrecadação total.
Um exemplo emblemático desse cenário é o setor de eventos, que apresenta cerca de 80% dos trabalhadores na informalidade devido à sazonalidade das atividades. A própria Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta) clama há anos por um regime específico que permita a formalização mínima desses trabalhadores. O problema central reside justamente na concentração da tributação sobre a folha salarial, inviabilizando contratações formais para inúmeras empresas, especialmente pequenas e médias.
Por outro lado, a reforma trabalhista de 2017 trouxe resultados positivos claros. Desde sua implementação, o desemprego caiu significativamente de 13% para 6,6% em 2024, enquanto o número de Microempreendedores Individuais (MEIs) triplicou, ultrapassando 15 milhões. Essas mudanças não apenas aumentaram a formalização mínima, mas também proporcionaram uma arrecadação indireta relevante por meio do consumo, estimulando a economia real.
Ademais, frequentemente é ignorado que profissionais contratados como PJ geralmente têm rendimentos maiores do que seus pares CLT, resultando em maior consumo e arrecadação indireta por meio de tributos como ICMS e ISS. Esses efeitos secundários são sistematicamente desconsiderados pelos críticos da pejotização.
Outro benefício frequentemente ignorado é o alívio dos custos fiscais indiretos proporcionado pela contratação PJ: profissionais nessa modalidade não utilizam o seguro-desemprego (que custa bilhões anuais ao governo), não geram despesas com multas rescisórias do FGTS e não congestionam o judiciário com litígios trabalhistas, diminuindo custos expressivos ao erário público.
A pejotização, portanto, não deve ser vista apenas como uma forma de evasão fiscal, mas como uma resposta racional e inevitável a um sistema tributário e trabalhista rígido e inadequado à dinâmica atual do mercado. Um sistema mais equilibrado e inclusivo deveria incentivar formas alternativas de formalização, como contratos civis, cooperativas e parcerias profissionais, apoiado por sistemas modernos e eficientes de fiscalização tributária, aproveitando tecnologias como PIX e cruzamento de dados.
Insistir em soluções simplistas e repressivas ignora o papel crucial que a pejotização desempenha na economia atual, ao manter milhões de trabalhadores ativos e formalizados minimamente. É necessário entender que a verdadeira questão não é criminalizar ou demonizar essa forma de trabalho, mas sim reconhecer e adaptar o sistema tributário e trabalhista às realidades do mercado contemporâneo.
A pejotização, longe de ser a vilã tributária propagada por alguns setores, pode ser justamente a solução inevitável para um sistema que precisa urgentemente ser modernizado e flexibilizado, garantindo maior inclusão econômica e arrecadação sustentável.
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